sábado, 26 de novembro de 2011

Minha Vida III (final)

Fiquei em estado de choque. Sentia meu rosto esquentar. Não queria ter dito aquelas últimas palavras, mas elas simplesmente saíram. Como quando você pergunta as horas para alguém. Ela não espera, não pensa, apenas olha no relógio e diz. Fechei meu notebook e fui guardá-lo.
       - Essa história acabou - falei enquanto pegava o dinheiro pra gorjeta.
       - Acabou de começar - Alessandro falava calmo, como se estivesse falando do tempo.
        Peguei minha pequena mala e me levantei mas Alessandro segurou meu braço.  Ele se levantou e me fitou. Era um pouco mais alto que eu e ele me olhava com aqueles olhos castanhos que me hipnotizava.
       - Por favor - sussurrou - Fique.
       E pela primeira vez naquela meia hora eu o vi suplicando algo. Relutei para desviar meus olhos dos dele e falar conscientemente dessa vez.
       - Só fico se você me explicar como me conhece - pedi olhando através dele. Tive medo de olhar diretamente nos seus olhos e soltar outra besteira como a que eu não queria sair dali.
      Antes mesmo dele responder, novamente a bela voz saiu pelos alto-falantes:
      - Senhores passageiros do voo para São Paulo Cumbica. O voo saíra por volta das 15:10. Desculpem-nos pelo transtorno e façam uma boa viagem.
      Olhei meu relógio. Era 14:32. Ele tinha mais de trinta minutos.
      - Então? - insisti - vai ou não vai?
     Decidi que era seguro agora olhar para ele. Ele estava com uma expressão de dúvida. Olhou para cima e respondeu
      - Ok, eu digo. Sente-se novamente.
      Me sentei ansiosa. Parecia uma criança que acabara de receber a proposta de que se ficasse quieta, dariam uma barra de chocolate.
       - Eu te conheço - começou Alessandro - daqui. Eu sempre viajo, então sempre a vejo. Sempre a vejo chegando com um sorriso estampado e voltando quase chorando de raiva.
        Tentei fingir que não havia entendido a última frase dele e perguntei:
      - E por que você veio falar comigo só hoje? Por que não antes já que você já me viu aqui antes?
      - Porque hoje eu percebi que você estava pior do que antes.
      - Como assim? - minha voz estremeceu.
      - Sempre te vejo chegando aqui. Você nunca está acompanhada, mas sempre sai por aquelas portas com um sorriso radiante. Só de ver uma pessoa sorrindo como você faz, eu passo o resto do meu dia sorrindo e cantarolando. Ontem, quando você chegou, estava sorrindo, mas não com a mesma jovialidade que você sempre mostra ter. Estava com um sorriso forçado. E hoje quando voltou, estava quase chorando. Não suportei ver você assim, mesmo sem te conhecer realmente.Vim falar com você.
        Estava confusa, mas mesmo assim, o incentivei a continuar:
        - E por que você acha que eu preciso de você?
       - Chega, ok? - falou impaciente - Chega de fingir quem você não é. Nessa última meia-hora, percebi que você é uma mulher muito gananciosa. De tão gananciosa esqueceu de seus sonhos, porque teve medo de quebrar a cara. Teve medo de mostrar a todos que era humana. Vulnerável. Você vem a essa cidadezinha para ter um pouco do que não quis. De ter sua vida! Só não entendo porque você ainda faz esse teatrinho. Eu entendo agora o porque você estava mais triste hoje do que nos outros dias. Porque não vai poder vim mais pra cá, não é?
        Assenti sentindo minhas lágrimas rolarem. Eu não sabia se estava mais chocada pelo fato de que em meia-hora ele aprendeu mais de mim do que eu mesma ou porque doía a verdade. Eu sempre escondi isso de mim, nunca olhei pra trás, pensando que não era arrependida pelo que havia feito.
         - S-sim - minha voz tremia muito. Meu corpo inteiro. Comecei a chorar mais ainda. Resolvi que não precisava mais fingir nada, já que eu estava chorando na frente de um estranho.
         - Eu não vou poder mais vim aqui - desabafei - Porque minha empresa está me mandando para a filial de Tóquio.
         - E não é bom? - perguntou Alessandro - Você não disse que gosta disso?
         - Claro que não - respondi incrédula. Pensei que ele tinha percebido isso.
         - E por que ainda vai?
         - Porque não posso desistir da minha carreira! Trabalho lá há mais de sete anos, não vou parar agora...
         - Você gosta do que faz? Ou melhor, você faz o que gosta?
         - Sim...-hesitei. Não adiantava mais falar mentiras - Não. Eu odeio meu serviço. Tinha vontade sim de andar pelo mundo, mas não assim.
         Alessandro se aproximou de mim e secou minhas lágrimas com sua mão. Aquele toque me relaxou. Não sentia alguém assim há muito tempo.
         - Volte.
         - Não posso. Minha vida já está feita. Esse foi o caminho que escolhi. Se eu voltar serei uma perdedora.
         - Perdedora,nunca. Você será considerada uma pessoa que não desiste do que quer. O dinheiro que perder não importa. Pelo menos, você chegará lá com grande alegria e satisfação.
          Olhei para ele. Ele sorria. Era difícil acreditar que naquele dia que eu pensara que tudo estava no fim e que eu tomara a decisão de não voltar, um desconhecido me mostraria o caminho. Sorri para ele. Me sentia em paz. Sabia que voltaria ao prédio da empresa para esvaziar minha sala para nunca voltar. Procuraria outra profissão. Podia demorar três, cinco, oito anos...Mas e daí? Estaria fazendo o que eu gosto. Retribui seu sorriso.
              Alessandro olhou no relógio.
          - Merda - resmungou - quase perco o avião.
          - Você ainda vai? - respondi alarmada.
          Ele sorriu.
         - Claro! O meu trabalho aqui já está feito.
         Não havia entendido. Ele sorriu mais ainda pela minha cara de desentendida. Ele pegou sua mala e me deu um beijo na bochecha. Senti um calor maior ainda em meu rosto. Quando ele estava se afastando, corri até ele e o puxei. Ele não podia ir embora assim.
         - Me dê seu número - opinei sorrindo - Para que quando você for em São Paulo, ir me visitar.
         Ele pegou minha mão e a beijou carinhosamente.
         - Querida Marissa - falou - Não tenho telefone.
        - Ao menos me diga onde você trabalha.
        - Não tenho um lugar fixo.
        Olhei incrédula. Ele me disse que vivia viajando.
         - Então, qual é a sua profissão. Também é representante de algo?
        - Você ainda não percebeu? - ele riu - Eu não trabalho com um rótulo. Posso ser tudo que alguém precisar: guia, conselheiro, amigo e outros. Mas sempre me chamam de anjo.
        Minha cabeça girava.
        - Impossível.
        - Nada é impossível. Apenas devemos olhar de maneira diferente. Agora minha querida, não desista do seu sonho. É a maior essência da alma. Se você não anseia por algo, não tem vida.
         Concordei.
         - Senhora - falou a balconista impaciente - Essa é sua mala?
         - É sim - virei-me para responder - Eu já vou pegá-la.
         A menina bufou. Pegou as xícaras que nós havíamos deixado lá e voltou para detrás do balcão. Virei novamente para Alessandro mas ele não estava mais lá. Havia sumido. Senti um aperto no coração. Olhei para baixo e vi um guardanapo com algo escrito. Peguei e li com a maior alegria. Estava escrito: "Não desista. Por mais que o caminho seja difícil e longo, não desista. E me chame quando precisar. Sempre estarei com você."
          Sorri e naquele momento, percebi que minha alma descansava em paz e com a maior jovialidade: Eu voltara a ter um sonho...




FIM

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